Um miúdo corre atrás de um pombo, parando quando ele começa a voar. Tenho uma fotografia no largo do Carmo, vários pombos em meu redor. Eu trazia um vestido xadrez e meias de renda branca até meio da perna, um chapéu de palhinha com um laço cor de rosa, que o sol estava quente, sol na cabeça dá doença à certa.
Ir a Lisboa era uma ocasião especial, mesmo que fosse para ir ao médico. A casa de banho do consultório tinha sanitas e lavatórios em tamanho infantil. Lembro-me de numa ocasião ter vomitado na marquesa.
Ao menos não há que arrumar malas
Nem que fazer planos em papel,
Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,
Para o partir ainda livre do dia seguinte.
Não há que fazer nada
Na véspera de não partir nunca.
Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego!
Grande tranquilidade a que nem sabe encolher ombros
Por isto tudo, ter pensado o tudo
É o ter chegado deliberadamente a nada.
Grande alegria de não ter precisão de ser alegre,
Como uma oportunidade virada do avesso.
Há quantas vezes vivo
A vida vegetativa do pensamento!
Todos os dias sine linea
Sossego, sim, sossego...
Grande tranquilidade...
Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas!
Que prazer olhar para as malas fítando como para nada!
Dormita, alma, dormita!
Aproveita, dormita!
Dormita!
É pouco o tempo que tens! Dormita!
É a véspera de não partir nunca!
Álvaro de Campos
Os seus olhos quando humedecem tornam-se quase transparentes. Um azul aquoso, a pupila parece maior. As pestanas são claras, quase não se vêem, sobem e sescem, molham-se quando limpas os olhos com um lenço que tiras do bolso. Um lenço de pano, no canto tem bordadas as tuas iniciais.
A pele com a idade parece mais visível, se olhar com atenção conto um infinito de caminhos.
Deu um documentário com o Tony dos Sopranos (James Gandolfini), sobre as memórias dos soldados feridos em combate na guerra do Iraque. A acompanhar, imagens dos momentos em que foram atingidos.
Falam sobre o seu alive day. O dia em que aconteceu o acidente e quase morreram.
http://www.hbo.com/aliveday/
Faz-se noite. A atravessar a estrada uma senhora leva um saco de papel numa das mãos, levará pão, e noutra mão agarra um molhe de chaves. As raízes do cabelo são brancas, as pontas escuras. O coração cinzento.
Cortar o pão é uma técnica que exige um certo ritual- a faca que se escolhe, a fatia que se vai cortar, a maneira como se posiciona o pão nas nossas mãos. E habitualmente alguém costuma dizer: cuidado, não te cortes.
Será que vou ficar assim? Pedindo a alguém que me desenhe com um lápis escuro o contorno das sobrancelhas, com aquele sorriso que dá resposta para tudo, e quando fechar os olhos digo que não estou a dormir, estou só a descansar.
Passou hoje à hora de almoço na televisão um conceito interessante. Uma empresa que se dedica a, entre outras coisas, recuperar e decorar electromésticos usados, através de técnicas de graffiti.
Frigiríficos
Máquinas de lavar roupa
Esquentadores
Torradeiras
Máquinas de café
Microondas
A ideia parece-me inovadora, útil e esteticamente interessante.
Confirmem em www.argonarms.com
Descobri um blog que propõe sugestões culturais interessantes e variadas, com actualização regular - http://programadefestas.wordpress.com/
Nota máxima: Ontem, o programa Câmara Clara da rtp2 com a Xana dos Rádio Macau e Manuela Azevedo dos Clã.
Nota medíocre: Festival da canção, em que a todas as músicas ou pareciam vindas de um programa infantil, ou pareciam adaptadas de uma cerimónia religiosa. Mesmo assim, acho que algumas igrejas têm musicalidades bem mais interessantes.
Adormeci.
Sonhei com um corpo magro, um olhar que de vez em quando segue os meus olhos, que me diz que está preocupado com a viagem. A viagem.
Pergunto para onde é a viagem. E ele responde que a viagem é o fim.
O fim. A viagem é o fim.
Está daqueles frios que entram pelos poros do tecido da camisola e, metendo as mãos nos bolsos, tento fugir à pele de galinha. Andei a pé pelo bairro, olhei as hortas urbanas onde couves crescem ao lado da estrada, no outro dia descobri um pato na margem do ribeiro que corre ao pé da minha casa.
Agradeço ao Sr. M., leitor assíduo e atento do blog, a correcção - que foi prontamene efectuada ;)
Descobri que sou alérgica à caspa de gato, aos ácaros e a uma planta da família das gramíneas.
E eu que nem sabia que os gatos tinham caspa.