Cárie

Entro no gabinete dez conforme a voz do intercomunicador me havia ordenado. A assistente coloca-me um babete de papel em redor do pescoço. Deito-me na cadeira reclinável, pouso o casaco sobre as pernas, tiro os óculos (ficam sempre salpicados), cruzo as mãos para o caso de ter de escapar-me do desconforto da broca ou dos esguichos de água, ajuda sempre quando uma das minhas mãos aperta a outra. E nestes momentos acabo sempre por olhar a sofisticada lâmpada que ilumina os meus maxilares, posso talvez desviar o olhar para o médico, reparar alguns pormenores pessoais, este parece que pinta o cabelo, é magro, o meu antigo perguntava-me sempre como estava, fazia conversa de ocasião, este só me questionou no início, o que a traz por cá?, em poucos minutos esgravatou o que havia para esgravatar e carregando num pedal deixou-me novamente sentada, volte cá para semana, tem uma cárie para tratar.

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